O Efeito Cobra: Lições sobre Consequências Não Intencionais (portugués)

Os seres humanos reagem a cada lei, regulamentação e ordem governamental de maneira indeterminada e essas reações produzem resultados que podem ser bem diferentes dos esperados pelos legisladores.

Toda decisão humana traz consigo consequências não intencionais. Muitas vezes, elas são inconsequentes, até mesmo engraçadas. Quando a Airbus, por exemplo, quis tornar seus aviões mais silenciosos para melhorar a experiência de vôo dos viajantes, ela fez seu A380 tão silencioso que os passageiros puderam ouvir, com muita clareza, o que estava acontecendo nos banheiros do avião. Outras vezes as consequências não intencionais têm efeitos dramáticos e de longo alcance. O sistema de saúde dos EUA é um caso em questão. Esse sistema surgiu na sua forma atual em grande parte devido a duas decisões governamentais.

Em primeiro lugar, o controle de salários e preços durante a Segunda Guerra Mundial fez com que os empregadores acrescentassem o seguro saúde como um benefício para o empregado. Por quê? Porque a lei proibia os empregadores de aumentar os salários de seus empregados. Por isso, para atrair os trabalhadores, os empregadores também ofereciam o seguro saúde. Então, em 1951, o Congresso Americano declarou que os benefícios de seguro saúde fornecidos pelos empregadores não contariam como renda tributável. Isso fez com que ficasse mais barato para os empregados receberem aumentos de salário na forma de aumento de benefícios nos seguros livres de impostos do que na forma de aumento do salário tributável.

Consequentemente, não só os trabalhadores agora recebem seguro saúde através de seus empregadores (ao contrário, por exemplo, de seu seguro de automóvel e seguro residencial), como também esses planos de seguro saúde tendem a ser mais luxuosos do que teriam sido se o Congresso nunca lhes tivesse dado tratamento fiscal especial. Essas duas decisões políticas ajudaram a criar o sistema de saúde que temos agora, um sistema que quase todos concordam que está quebrado.

As consequências não intencionais acontecem com tanta frequência que os economistas as chamam de "Problemas Cobra", fazendo alusão a um exemplo bem interessante.

Ninguém se propôs a criar um sistema quebrado, assim como ninguém jamais se propôs a fazer ruídos de banheiro mais evidentes em aviões. Estas foram consequências não intencionais e você pode vê-las em todos os lugares quando você sabe analisar as situações.

As consequências não intencionais acontecem com tanta frequência que os economistas as chamam de "Problemas Cobra", fazendo alusão a um exemplo bem interessante.

Cobras

Na Índia colonial, a cidade de Délhi sofreu uma proliferação de cobras, que era um problema que precisava claramente de uma solução, dados os tipos de perigos que as cobras trazem, como, por exemplo, a morte. Para cortar o número de cobras que percorriam a cidade, a prefeitura criou uma recompensa por elas. Esta parecia ser uma solução perfeitamente razoável. A recompensa foi generosa o suficiente para que muitas pessoas começassem a caçar cobras e isso levou exatamente ao resultado desejado: a população de cobras diminuiu. E é aí que as coisas ficam interessantes.

No final, Délhi teve um problema com as cobras muito maior após o fim da entrega de recompensas do que antes de começar a fornecê-las.

À medida que a população de cobras diminuía e se tornava mais difícil encontrar cobras na natureza, as pessoas também se tornavam mais empreendedoras. Elas começaram a criar cobras em suas casas e depois as matavam para receber a recompensa dada pelo governo, como acontecia antes. Isto levou a um novo problema: as autoridades locais perceberam que havia poucas cobras evidentes na cidade, mas

ainda assim eles estavam pagando a recompensa no mesmo grau de antes.  

Então os funcionários da prefeitura da cidade fizeram uma coisa razoável: eles cancelaram a recompensa. Em resposta, as pessoas que criavam as cobras em suas casas também fizeram uma coisa razoável: soltaram todas as suas cobras, agora sem valor, de volta para as ruas. Quem quer uma casa cheia de cobras?                                                  

No final, Délhi teve um problema com as cobras muito maior após o fim da entrega de recompensas do que antes de começar a fornecê-las. A consequência não intencional do plano de erradicação de cobras foi um aumento do número de cobras nas ruas, ou seja, exatamente o oposto do que a medida governamental buscava. Este caso se tornou o exemplo de quando uma tentativa de resolver um problema acaba por exacerbar o próprio problema que os legisladores pretendiam solucionar.

Poluição do Ar

É claro que não há nada de especial nas cobras. Entretanto, algo semelhante aconteceu no final da década de 1980 na Cidade do México, que na época sofria de extrema poluição do ar causada por carros movidos por seus 18 milhões de habitantes. A prefeitura respondeu ao problema com a "Hoy No Circula", uma lei destinada a reduzir a poluição dos carros, retirando 20% dos veículos das estradas todos os dias durante o inverno, quando a poluição do ar estava no seu pior nível. A retirada de circulação dos veículos era determinada pelos últimos dígitos das placas. Estranhamente, porém, a remoção desses carros das rodovias não melhorou a qualidade do ar na Cidade do México. Na verdade, isso piorou as coisas.

Descobre-se assim que as necessidades das pessoas não mudam como resultado de um simples decreto governamental. Os moradores da Cidade do México certamente desejavam um ar mais limpo para sua cidade, mas também precisavam ir ao trabalho e à escola. Por isso, eles reagiram à proibição de maneiras que os legisladores não esperavam nem previam.                                 

Algumas pessoas pegaram caronas ou o transporte público, o que era a verdadeira intenção da lei. Outros, porém, pegaram táxis. Mas o táxi médio na época gerava mais poluição do que o carro médio que as pessoas utilizavam. Outro grupo de pessoas acabou também destruindo a intenção da lei de forma ainda mais significativa. Esse grupo comprou novos carros que obviamente vieram com números de placa diferentes. E assim, essas pessoas dirigiam esses carros no único dia da semana em que elas estavam proibidas de dirigir seus carros normais. Mas que tipo de carro essas pessoas compraram? Os veículos mais baratos que conseguissem encontrar. Veículos que soltavam mais poluição para a cidade a uma taxa muito maior do que os carros regulares com números de placa que não tinham permissão para circular. As pessoas soltaram suas cobras nas ruas, só que desta vez as cobras eram carros.

Consequências não-intencionais estão em todos os lugares

Estes exemplos de consequências não intencionais não são aberrações. Consequências não intencionais surgem toda vez que uma autoridade impõe sua vontade às pessoas. As leis de obrigatoriedade do uso de cinto de segurança e da existência de airbags em carros novos diminuíram o nível de segurança para os pedestres ou ciclistas estarem nas ruas. Isso aconteceu porque essas leis fizeram com que fosse mais seguro para os motoristas dirigirem até mesmo quando estivessem menos cautelosos ao volante. 

Da mesma forma, as leis de empréstimo bancário por meio de desconto em folha de pagamento são destinadas a proteger os mutuários de baixa renda das altas taxas de empréstimo. Entretanto, o que ocorre na verdade, com a aplicação de tal lei, é o encarecimento dos custos dos empréstimos para os mutuários de baixa renda ao forçá-los a adotar alternativas ainda mais caras, promovendo assim um efeito oposto ao esperado pela lei.

A exigência para que as corporações divulguem o quanto pagam aos seus CEOs para encorajar os acionistas a reduzir a remuneração deles resultou em CEOs que possuíam menores salários exigindo maior remuneração.  

As Leis dos Três Strikes, destinadas a reduzir a criminalidade, na verdade aumentam o nível de mortalidade policial, dando aos criminosos duplamente reincidentes um incentivo maior para fugir ou até mesmo combater a polícia.

A Lei dos Americanos Portadores de Deficiência (Americans With Disabilities Act - ADA) incentiva os empregadores a discriminar os trabalhadores deficientes, não os contratando em primeiro lugar para evitar possíveis reivindicações da ADA. 

Os requisitos de licenciamento de eletricistas podem aumentar a incidência de lesões devido a falhas no trabalho elétrico, reduzindo o fornecimento de eletricistas, incentivando assim os proprietários de casas a realizarem seus próprios trabalhos elétricos.

Venezuela

Mas talvez nada ilustre melhor o alcance dos problemas potenciais decorrentes de consequências não intencionais do que o terrível jogo da caça à toupeira da Venezuela, que começou com a nacionalização de sua indústria petrolífera em 1976. A intenção do governo era manter os lucros do petróleo no país. E foi assim que aconteceu... por um tempo.

Quando o governo assume uma indústria que era privada, o incentivo ao lucro para manter o capital físico se perde e o capital físico se deteriora. A deterioração se repete por mais ou menos uma década, e foi isso que fez parecer - pelo menos por algum tempo - que ao contrário de todos os outros lugares

onde o socialismo havia sido tentado, o socialismo venezuelano estava funcionando. Mas com o colapso do capital físico da indústria petrolífera, a produção de petróleo caiu. Coincidentemente, foi por volta dessa época que os preços do petróleo caíram também - fato que os partidários do socialismo apontam como o verdadeiro culpado. Entretanto, isso é sem dúvida incorreto, uma vez que nenhum outro país produtor de petróleo sofreu o que a Venezuela viria a sofrer.

A última consequência não intencional da nacionalização da indústria petrolífera da Venezuela foi a escravidão.

Com a queda das receitas e da produção de petróleo, o governo da Venezuela agiu da mesma forma que os governos inevitavelmente agem quando as receitas desaparecem. O governo Venezuelano tomou emprestado e tributou o máximo que pôde, e depois começou a imprimir dinheiro. A impressão de dinheiro levou à consequência não intencional da inflação e então os preços subiram tanto que as pessoas não podiam mais pagar pelos alimentos. Para responder a essa consequência não intencional, o governo impôs o controle dos preços dos alimentos. Mas isso criou uma nova consequência não intencional, na qual os agricultores não podiam mais se dar ao luxo de cultivar alimentos e assim os fazendeiros pararam de cultivar alimentos. Finalmente, quando não havia mais saída, o governo obrigou as pessoas a trabalharem em fazendas para garantir a produção de alimentos.

A última consequência não intencional da nacionalização da indústria petrolífera da Venezuela foi a escravidão.

A Lição

Nada disso significa que não há lugar para a criação de leis. O que isso significa é que os legisladores devem estar bem conscientes de que toda ação humana tem consequências intencionais e não intencionais. Os seres humanos reagem a cada lei, regulamentação e ordem que os governos impõem, e suas reações produzem resultados que podem ser bem diferentes dos esperados pelos legisladores. Portanto, embora exista um lugar para a legislação, esse lugar deve ser definido tanto pela grande cautela quanto pela tremenda humildade. Infelizmente, estes são traços de caráter que não são encontrados com frequência naqueles que se tornam legisladores, e é por isso que exemplos como o problema com as cobras são tão fáceis de serem encontrados.


(Editor’s Note: This article was translated into Portuguese for the Portuguese-speakers/readers audience, by Helio Flanagan Veiga, originally of Minas Gerais, Brazil, and now of Charleston, West Virginia, US.)